quarta-feira, 10 de junho de 2015

O treinador e o preso

Imagem de Gustavo Almeida
Adoramos perder tempo, adoramos futilidades. O que verdadeiramente nos move é a intriga de bastidores, a insinuação e o estéril. Consumimos horas e horas, dias atrás de dias a ler, a ver e a escutar especialistas, comentadores, figuras públicas, personalidades públicas e protagonistas de todas as áreas que a vida humana consegue abranger a pronunciarem-se sabiamente sobre inutilidades e frivolidades. A penúltima ocorrência desta natureza foi motivada pela mudança de clube de um indivíduo que treina futebol. Ficámos empanturrados de opiniões, de saberes, de conhecimentos, de informações do maior interesse sobre esse extraordinário acontecimento. O planeta lusitano foi convocado para emitir parecer e compareceu. Mesas-redondas com quatro, cinco e seis peritos debruçaram-se e debruçam-se analiticamente sobre a problemática.
O assunto foi despoletado há uma semana e continua a medrar. 
Ontem, terça-feira, este acontecimento recebeu a concorrência de um outro acontecimento que passou a rivalizar com o primeiro acontecimento no domínio dos espaços informativos sobre acontecimentos. E mais especialistas, mais comentadores, mais figuras públicas, mais personalidades, mais personagens, mais protagonistas se acotovelaram num interminável frenesim de enfileiramento opinativo. Somos pródigos na produção de acontecimentos extraordinários: ontem, foi a notícia de que há um preso que vai continuar preso. E o mundo informativo desabou sobre nós: jornais, televisões e rádios encheram-se e encheram-nos com mais este acontecimento único. Badalaram-se hinos à dignidade, à coragem e à determinação; poemas e poetas foram chamados para iluminarem a coerência e até Mandela foi referido. (Será com interesse que observarei, no caso de se comprovarem os crimes de que o preso está indiciado, em que sítio os cantores destes hinos irão meter as dignidades, as coragens, as determinações e as coerências).
O treinador e o preso fizeram de tudo o resto insignificância. Comparados com estes dois, que interesse têm os problemas do nosso desemprego, da nossa saúde e da nossa educação? Que interesse tem o massacre que está a ser feito aos gregos? Que interesse têm o nosso presente e o nosso futuro colectivos?